Texto publicado originalmente aqui.
Li o texto do Professor Rui Zink com o qual concordo em parte mas que também não deixa de ser uma generalização perigosa (algo de que tenho sido acusado diversas vezes neste blogue).
Em primeiro lugar acho curioso que seja dito que as pessoas vão para as editoras com «algumas ilusões». Isso pressupõe que, do ponto de vista do RZ, é um dado garantido que o modelo é todo igual. Ora sabemos bem que apesar de tudo ainda se publicam coisas boas, espalhadas um pouco por quase todas as editoras (até a LeYa e as filiais de empresas espanholas e alemãs). Apesar de não gostar particularmente, vi com bons olhos a coragem na publicação de Musil, por exemplo.
Mais ilusório, parece-me, é não compreender que, quando se vai trabalhar para a edição (e para qualquer negócio, já agora), é preciso pensar em fazer dinheiro. A questão está em ser-se obrigado a só fazer dinheiro ou a fazer dinheiro e não só.
O editor que se preze, qualquer pessoa que trabalhe numa editora com algum tipo de poder de decisão ou pelo menos de sugestão editorial, tem de estar preparado para saber vender o seu peixe. Leiam-se as trocas de correspondência entre Eça, Camilo e os seus editores. Nada disto é novo, só que estamos numa sociedade em evolução onde o marketing dita padrões, a promoção gera modas. É uma necessidade que o editor seja adaptável porque a cultura é cada vez mais interdisciplinar e adaptável também ela. O editor tem de saber navegar entre as correntes e as modas. Tem de ter ao seu lado um bom departamento de marketing e promoção e, sobretudo, ser capaz de percepcionar o imutavelmente garantido segredo da literatura que vende. Essa defeniu-a Aristóteles na sua «Poética» e nada mudou de lá para cá. É a literatura do exemplo, aquela com que os leitores se identificam porque diz algo sobre a sua realidade. É uma literatura de referentes e não a literatura erudita de alcance minoritário. Mas, atenção, que nada disto significa que esta literatura que vende seja má literatura. A história da literatura abunda de exemplos de escritores best-sellers nas suas épocas que entraram para os cânones e de outros que foram totalmente esquecidos. O tempo gera, normalmente, o factor de diferenciação.
Não percebo como evitar o ponto 1) que o RZ enuncia. Nós editores somos humanos. Concordo com o ponto 2) e acho ridículas as situações enunciadas nos restantes. Possíveis mas longe de generalizadas.
A realidade é só uma: é possível apresentar ao público boa literatura (ficção, não-ficção) mostrando a esse público o que há de comum entre a obra e a vivência ou ambição de vida do leitor potencial. Para esta realidade acontecer é preciso uma boa máquina de promoção, porque é assim que o mundo hoje funciona e não se pode escapar a isso.
Claro que concordo com quase tudo o resto que o RZ indica, mas creio que falta explicar porque é que as coisas não devem ser como são e esse é o ponto fulcral, a lacuna principal no texto do RZ.
Esse problema essencial já eu o foquei repetidas vezes neste blogue e noutras ocasiões e locais. É a obrigação que o profissional do sector livreiro tem para com esse mesmo sector e, por conseguinte, para consigo mesmo. Num sector dependente de uma franja reduzida de compradores/clientes/leitores com tendência para se reduzir ainda mais, tem de ser tarefa importante do profissional do livro saber trabalhar para o público que tem mas, mais do que qualquer outra coisa, trabalhar para o público que ainda não tem. Tem de se ganhar novos leitores e isso só se faz com um sistema de ensino diferente, que apele para o gosto e comum trabalho na área editorial, que aproxime o público do produto.
E agora, mais uma vez, concordo totalmente com o RZ: não é o produto que tem de se aproximar do leitor, mas não deixa de ser o trabalho do editor analisar o público e saber como comunicar o seu produto a um leque mais alargado de público. Os truques existem e são truques honestos. Um exemplo que irrita muita gente são as capas de livros com elementos gráficos referentes a filmes. Se estamos a falar de uma boa edição de um bom livro, não vai ser essa capa (ou pelo menos não deveria ser essa capa) a afastar o público conhecedor e reconhecedor de qualidade e, ao mesmo tempo, pode ganhar-se alguns leitores potenciais.
Na área em que tenho trabalhado habitualmente, a da ficção, procurei sempre entender porque é que algumas coisas vendem e outras não e se há algo de que tenho a certeza é que a modernidade (englobando a pós-modernidade) afastou quase definitivamente o artista do público. A arte com aspirações a arte não procura linguagens comuns, funciona para um sector hermético de entendidos ou pseudo-entendidos. Deixou de ser um factor de interligação para ser um instrumento de elitização.O artista é egoísta nos tempos que correm. Quer fazer o que gosta de fazer e escrever na sua linguagem, meramente porque os tempos e filosofias actuais sugerem que apenas a criação pela criação é válida. De uma forma lata acho que a cultura tem, neste momento constrangedor, o maior perigo e maior candidado a némesis que se possa imaginar. O artista deve procurar expressar-se de forma a ser entendido, e se isso implica que tenha de usar uma linguagem «das ruas», assim terá de ser. Conseguir com os instrumentos comuns fazer algo que seja arte, esse é o verdadeiro talento. E quando olhamos para trás na história do Homem, vemos que os grandes exemplos de arte são esses mesmos: os que ainda hoje, de uma forma ou de outra comunicam com o seu público mas também com os outros.
Nesse espírito, o trabalho de um editor está em encontrar o equilíbrio e saber defender essa visão perante o administrador-gestor; saber explicar que algumas coisas se publicam porque fazem dinheiro, outras porque dão prestígio e que algumas, poucas, conseguem ambos os objectivos. Agora, o talento do editor está em fazer este trabalho e manter fasquias de qualidade para ganhar leitores. O trabalho feito por várias editoras portuguesas ao longo dos anos é exemplificativo. Vejamos a Presença, por exemplo: publica prémios Nobel, escritores consagrados, clássicos e todos em edições cuidadas, publica muitos novos autores nacionais, promove-os. Ao mesmo tempo, não deixa de publicar Nicholas Sparks, J. K. Rowling, Susanna Tamaro, séries de literatura infanto-juvenil de qualidade, obras policiais e de ficção fantástica ou científica. E dentro de todos os moldes é das editoras portuguesas que está a construir uma posição de futuro no nosso mercado. Dentro dos vários parâmetros editoriais, faz um trabalho de qualidade (porque temos de ser capazes de dizer que Sparks tem qualidade dentro do seu segmento, que o Harry Potter também, que a Patricia Cornwell também, etc).
Assim, o que tem de acontecer é a consciencialização de quem queira trabalhar na área para que, como em quase todas as áreas ligadas ao produto/mercadoria cultural, não basta apenas ser bom para poder fazer aquilo de que se gosta. Tem de se saber adaptar aquilo de que se gosta ao gosto dos outros e trabalhar numa expectativa de alargamento e difusão cultural.
Ninguém me convence de que o afastamento da literatura do público não é, em parte, responsável pela perda de valores da nossa sociedade. A literatura e a arte foram, desde a antiguidade, meios para ensinar e transmitir valores, História e histórias de proveito e exemplo. A partir do momento em que se afasta de um prisma societário para um alcance pessoal e reduzido, perde-se esta capacidade. O editor tem, hoje mais do que nunca, de exercer a sua responsabilidade de intermediário cultural e tem de ter o talento para o poder ser dentro de uma sociedade mercantilista e capitalista. E é possível fazê-lo, só que o talento não se produz em massa e está apenas ao alcance de uns poucos eleitos. O sistema globalizante é que nos convence cada vez mais de que cada qual pode fazer o que quer, da mesma forma que convence qualquer um a ir a concursos de televisão com perguntas de cultura geral, mesmo quando essa pessoa não tem a mínima cultura; convence qualquer pessoa de que pode ser um artista, quando o essencial para um artista não é o génio mas a capacidade de comunicar e saber sobreviver (veja-se os mestres do renascimento); que convence qualquer um de que pode ingressar numa universidade, quando estaria muito mais indicado para um curso técnico; que convence qualquer um de que pode ser poeta, meramente porque leu os sonetos da Florbela... enfim, os exemplos poderiam alongar-se infinitamente.
Hugo Xavier
Editor desempregado
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