Da distribuição nos tempos da concentração – considerações

Hoje tive uma conversa com outras pessoas do meio sobre as realidades do sector e abordámos, ao de leve, a questão dos paradigmas da distribuição. Isto levou-me a pensar um pouco sobre a influência que a actual situação de mercado tem e virá a ter em breve na distribuição e, no prisma inverso, a influência que a actual situação da distribuição poderá ter na situação presente e futura do mercado editorial. Estas considerações partem de uma posição que tenho defendido e continuo a defender: o digital demorará mais do que se diz e ficar parado à espera da sua chegada será um erro para distribuidores e editores.


Vamos pois considerar duas realidades diferentes: as distribuidoras independentes e as distribuidoras ligadas a editoras ou grupos editoriais.

No caso das segundas a situação contemporânea comporta duas possibilidades: ou se trata de um grupo grande cujo output ocupa os recursos do sector comercial e logístico da distribuidora, ou essa distribuidora terá de procurar rentabilizar os seus recursos. Para este fim recorrerá, geralmente, à distribuição de editoras externas ao grupo, mas isso acarreta um dilema de difícil resolução.

Se o grupo está orientado para uma área específica de trabalho, dificilmente a equipa comercial conseguirá impor ou ter capacidade de trabalhar livros de áreas diferentes. Contudo, se a distribuidora distribuir editoras com afinidades temáticas e/ou genéricas, estará a criar concorrência interna e dará por si a dar preferência aos livros "da casa".

A única solução que antevejo para esta questão está na criação de equipas de comerciais independentes dentro da distribuidora. Isto acarreta custos e, obviamente, volta a colocar em questão o máximo aproveitamento de recursos... Estamos perante a velha pescadinha-de-rabo-na-boca. Mas traz tambémuma concorrência interna saudável e não autofágica, que pode rentabilizar e muito cada um dos clientes distribuidos.

No que toca às distribuidoras independentes, a situação é complicada mas resolúvel. Ainda assim, antes de entrarmos nesse assunto, convirá fazer uma pequena radiografia do mercado das distribuidoras independentes. Os seus clientes repartem-se entre os grandes grupos livreiros, que representam cerca de 60 a 70% do mercado, os livreiros independentes, que representam a percentagem remanescente quase por inteiro, e os clientes institucionais e excepcionais, que detêem uma uma percentagem mínima e variável.

No que toca aos grandes grupos não haverá questões de maior, o paradigma de funcionamento não precisa, salvo no que toca a uma natural maior profissionalização, de grandes alterações.

Quanto aos livreiros independentes, na minha opinião, ou se dá, efectivamente, a criação de uma associação de livreiros independentes que lhes permita concorrer enquanto grupo de grande dimensão, ou acabarão "esmagados" pelos grandes grupos, reduzidos ao número das livrarias alternativas essenciais - aquelas que fazem, de facto, um trabalho de excepção ou são “salvas” por factores específicos (localização, decoração, enfoque especial dos títulos apresentados, etc) - , e prevejo para um futuro breve esta calamidade. Unidas, criando uma central de compras ou pelo menos um sistema centralizado de encomendas e uma gestão financeira apoiada e realista, talvez consigam ainda ir a tempo de aparecer e impor a sua força no mercado. Claro que o problema das LI será o dinheiro para estas mudanças mas, se se apresentarem como grupo e com um projecto financeiro consciente, o seu peso terá certamente influência junto das instituições de crédito.

Quanto aos clientes excepcionais e institucionais há, na minha opinião, muito trabalho a fazer. A criação de mercados de escoamento alternativo tem de ser trabalhada de forma criativa. E aquilo que sempre me pareceu grave por parte de editoras e distribuidoras é a falta de imaginação na procura e criação destes canais alternativos que têm um enormepotencial em conjunto. Sobre esse assunto gostaria de voltar a falar no futuro mas agora ocuparia demasiado espaço.

A solução para as distribuidoras independentes passa por uma reconfiguração face à realidade de um mercado em que os clientes distribuidos dificilmente terão peso enquanto clientes individuais, quer em volume quer em espectro.

Dentro de uma evolução natural do sector iremos, creio, assistir a uma redução no número de distribuidoras independentes. Sobreviverão aquelas que se saibam adequar à nova realidade dos seus clientes, e saibam ter uma ideia formativa de catálogo de representação. Claro que isto trará, também por si, uma triagem muito mais efectiva do real âmbito da qualidade real do que é editado (ou pelo menos do que é aceite para distribuição). A distribuidora que, até agora, distribuia tudo passando despercebida no meio de muitas outras, vai começar a destacar-se pela falta de qualidade ou, pelo menos, pela irregularidade qualitativa e comercial da sua oferta e terá de combater essa situação exigindo dos seus clientes padrões que lhe permitam manter-se no mercado..

Tendo em conta esta evolução necessária e a inerente redução do número de distribuidoras independentes, o serviço destas terá de ser reconfigurado à semelhança do que acontece noutros países. O tratamento desleixado e a falta de informação para com os seus clientes editoriais vai ter de ser totalmente invertido. A distribuidora que dê reais dados concretos, mapas geográficos, de marketing e contabilísticos de vendas, terá em si uma enorme mais-valia. Mas não se pode ficar por aqui: as distribuidoras terão de, à semelhança do que acontece lá fora, assumir serviços que os seus pequenos clientes não conseguem assegurar. Serviços de marketing, publicidade e promoção. Apoio estratégico ao editor e mesmo, se calhar, apoio financeiro em casos específicos e que o justifiquem.

A criação de accounts para cada cliente é um passo incontornável para o futuro. Para um tratamento próximo do cliente e para a distribuidora ter, ela também, uma noção clara dos resultados e potencial do seu cliente. Esses accounts deverão acompanhar toda a fase promocional e de marketing e poderão mesmo entrar com sugestões no que à política estratégica da editora respeite.

Se esta evolução não tiver lugar, creio que viremos a assistir muito em breve a um processo calamitoso de ruptura no mercado editorial onde apenas as raras empresas iluminadas, capazes de alterações como estas virão a garantir elementos de diferenciação e potencial “ofensivo” contra os grandes grupos.

1 comentários:

Anónimo disse...

A questão da distribuição ficará para sempre resolvida com o advento e generalização do ebook. O problema dos stocks, o dominio do mercado por parte de certas distribuidoras, a excessiva rotatividade dos livros, enfim, as desfuncionalidades conhecidas do mercado livreiro actual e outros males poderão finalmente serem minimizados para bem dos leitores como eu que têm de percorrer quilómetros, ou esperar semanas, com custos acrescidos para receberem os livros que desejam ler

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