A recente crónica de Clara Ferreira Alves (CFA) "É a falta de cultura, estúpido", constituí um bom retrato do que se passa no nosso país e em boa parte do mundo. Ainda assim nalguns pontos acho que foi longe de mais e noutros acho que não teve coragem para dizer o que queria - ou espaço.
O Modernismo e os modernistas já falavam abertamente da nova era a que se chegava em que nada surgia de diferente ou inovador. A arte e a cultura"novas" teriam de ser re-arranjos originais do pré-existente. Tudo o que veio depois do Modernismo é isso: tentativa de moldar novas conexões com materiais antigos.
O problema nunca seria a cópia mas a má cópia, a cópia que perde qualidade relativamente ao original.
Para mim toda essa discussão é inútil e pouco acertada.
CFA esteve quase lá mas não disse o que tinha de ser dito. Não é verdade que a elite culta (ou consumidora de cultura) seja velha e não tenha sucessores. E sobretudo não é verdade que esteja a diminuir ou desaparecer. Sempre foi estupidamente reduzida. Sempre teve presença minoritária no poder, na religião, na Universidade, na administração, nas ciências, etc., etc. O problema é que actualmente foi empurrada para fora dos círculos de decisão. A Cultura, outrora respeitada, deixou de ser pertinente.
E qual o mal que isso arrasta? Um mal simples e terrivelmente pernicioso: a ausência de memória. A Cultura é memória, mais! é memória abrangente, diversa, polifónica, transversal. E é claro que num mundo "especializado", a visão de conjunto, a escolástica, a pluralidade do conhecimento, não têm lugar.
Sem memória repete-se o erro. Sem memória perde-se a civilização. Os exemplos vêem de todo o mundo: em virtude de um qualquer evento que prive a sociedade de um qualquer "bem" adquirido (electricidade, comida, água, gás, transportes, etc.) a população dá imediatamente o passo seguinte: o passo para o caos e para a barbárie. Motins, vandalismo, violência gratuíta.
A Cultura é a base de dados do que a Humanidade adquiriu - daí que eu deteste que se associe cultura com a Literatura. A Cultura tem de ser geral. Tem de ser um repositório do Homem integral. Das ciências humanas mas também das exactas; tem de ser o arquivo das conquistas da sociedade e dos seus fundamentos. E tem de ser transmitida transversalmente: não se aprendem valores sem conhecimentos, não se aprende disciplina sem organização/ordem, não se avança sem uma boa base de passado.
A diferença é visível e compreensível se compararmos Portugal e a Islândia e as diferentes reacções perante a crise.
Nós vivemos cada vez mais para o nosso umbigo. A nossa especialização é em nós mesmos (daí o Ministro Relvas ser Dr. antes de ser Dr.). Daí podermos atropelar os outros sem pruridos. Daí podermos ser espezinhados sem nos agitarmos.
E o problema actual foi que ao deixar-se afastar do respeito e da sua pequena mas pertinente influência junto do poder, a elite culta não tem força para lá voltar. A culpa não foi do Jornalismo, não foi da Política, não foi da Filosofia; a culpa foi da elite culta que foi preguiçosa. Que se demoveu das suas obrigações societárias.
Qual a única solução que vejo? Que a Elite culta forme os seus sucessores, que estes façam o mesmo para os que se hão-de seguir. Uma boa formação, o despertar do interesse, da motivação e do mérito conseguem angariar mais fiéis. É um trabalho de fundo e de fé. As próximas gerações terão pouca ou nenhuma percepção dos resultados. Não tentemos salvar todos, tentemos salvar os possíveis.
8 comentários:
E que tal esta ideia?
A elite culta foi burra. Encerrou-se no seu próprio umbigo e rejeitou e não compreendeu todos os fenómenos culturais que se originaram e continuam todos os dias a originar fora desse umbigo. E assim perdeu relevância, e ao perder relevância perdeu legitimidade. Em suma, deixou de ser elite e deixou até de ser culta.
Caro Jorge,
Não concordo. É certo que em vários casos tal aconteceu, mas isto em termos de pessoas, de membros dessa elite - aliás o termo elite é em si perigoso sobretudo face à elite intelectual de esquerda. Para evitar confusões chamemos-lhe "franja" culta.
Dizer o que diz implica dizer que não há pessoas cultas. E com essa afirmação tenho de discordar.
Mas também lhe digo que grande parte dos problemas da nossa sociedade actual devem-se à aceitação total de tudo. Este liberalismo (falso porque manipulado) mas conduzido sob a capa de fenómenos culturais espontâneos. Quem tem cultura geral, quem tem visão do conjunto tem responsabilidades sempre que aceita ou resiste e é o equilíbrio dessas posições que deve definir o comportamento da franja culta da população.
Acima de tudo a franja culta dda população deve trabalhar em prol de aumentar a franja culta da população e isso é que nunca foi feito cá por estes lados. Daí o perigo de dizer "elite", daí a impressão de que essa está velha e sem sucessores como parece a CFA.
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Mas o problema é precisamente esse: já ninguém tem visão de conjunto. Concordo que haja quem ainda vá conseguindo ter visões parcelares de conjunto, quem consiga ver algo mais mais do que a sua ariazinha de especialização, mas há já muito tempo que ninguém é capaz de ver a imagem completa. Não é de hoje que as pessoas de letras são, quase todas, notoriamente ignorantes de ciência, só para dar um exemplo bastante óbvio. E isso é um sintoma de incultura, e de incultura tanto mais grave quanto mais inconsciente. Se os membros da tal dita franja culta tivessem consciência de que não são assim tão cultos como isso, estariam muito mais em condições de exercer impacto sobre a sociedade e de ser relevantes.
Aliás, é pior ainda: os que se acham muito cultos rejeitam e ignoram os que, tendo consciência das suas limitações, mostram um espírito mais aberto a formas de cultura menos convencionais e clássicas. Basta ver a atitude típica dos ditos cultos para com as literaturas de género para se ter um exemplo claro do que digo. Ou para com géneros musicais nascidos fora da matriz clássica (ou ainda não "classicizados" pelo tempo). E etc.
Sim, concordo plenamente que a franja culta deveria trabalhar em prol de aumentar-se a si própria. Resta é saber quem faz parte dessa franja culta. É que não é bem quem se julga.
A (CFA) pode não ter dito tudo mas, é preciso dar um grande abanão nesta árvore (P) que está carregada de fruta. Como não foi devidamente tratada(a fruta) está imprópria para consumo. É
uma questão de educação/cultura que nós não somos capazes de exigir/adquirir. Tem a ver com a condução nas estradas,com o respeito que temos para com os nossos semelhantes,como somos tratados na saúde, etc, etc. Foram muitos anos de estado novo e,e,e,e, e são bastante de uma " democracia " que se está desacreditando.
Acabei de ouvir a Drª Clara Ferreira Alves, entrevistada no programa do Goucha na TVI24, dizer que gostava de investigar o "caso BPN".
Pois eu acho que, em tendo essa oportunidade, prestaria um inestimável serviço ao País.
E deixo-lhe daqui um alvitre:
Que investigue as muitas ligações entre esse escândalo e este roubo:
http://infamias-karocha.blogspot.com
Encontrará muito mais ligações do que imaginaria.
A falta de cultura é apenas aparente.Em Portugal a alta cultura foi aprisionada no post 25 de Abril por uma pseudo elite intelectual,dependente dos ministérios, Cãmaras Municipais e quejandos e que gira à volta do PS e BE. Parasitária, monopolística e farisaica, esta elite seca tudo,criando o panoarama cultural desolador que só tem paralelo na crise geral em que estamos e da qual é em grande parte responsáve´l.
Entretanto continuam a adormecer-nos com a sua indignação, na tentativa de preservar os seus interesses e evitar qualquer mudança.
Há mais mundo e cultura, mesmo em Portugal
Em parte é bem verdade mas não deixa de ser igualmente verdade que uns ocupam o espaço que outros não querem ocupar...
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