Tem-me irritado bastante ver as reacções de grande parte da comunidade de historiadores e "gente de cultura" à morte de José Hermano Saraiva. Sobretudo e em primeiro lugar porque não são reacções ao falecimento mas à pessoa. Não é nem o tempo nem o lugar de as fazerem. É uma tremenda falta de respeito para com familiares e amigos. (Uma situação que parece começar a generalizar-se no âmbito da cultura.)
Em segundo lugar as críticas que são feitas - de que se tratava de um falso historiador, de um romancista/ficcionista da história dando importância à lenda e a história sensacionalista e sem bases - é uma crítica falhada. Na minha relação com os programas do JHS sempre senti o entusiasmo que passava e a notável capacidade de criar ligações entre as várias histórias. Isso é e foi sempre sinal de inteligência. Raramente me lembro de o ter ouvido a dizer que era historiador. Considerava-se um divulgador de História e, neste país de incultos, conseguir transmitir como ele o fez, entusiasmo e vontade de saber, conseguir levar pessoas a visitar os locais que referia e interessar as populações locais pelos seus monumentos e lendas (coisas que nunca aconteceria de outra maneira), é obra. E quem quisesse saber mais ou quem quisesse saber a "verdade", que investigasse - ele deixava as pistas. No meu entendimento esse é o verdadeiro valor do "ensino": despertar curiosidade e entusiasmo porque só desses pode partir a vontade individual de saber mais. O ensino massacrante e monocórdico de factos, o despejar de conhecimentos de forma insossa é estéril.
Se eu fizer um inventário de tudo o que me levou sempre a interessar-me pela História e pelas suas personagens e eventos, dou por mim a pensar nos desenhos animados das "Misteriosas Cidades do Ouro" que me levaram a comprar, ainda miúdo, vários livros 'sérios' sobre as civilizações pré-colombianas. Ainda hoje sei dizer nomes complicados de cidades Maias e Incas bem como a ordem cronológica das civilizações ou a sua dispersão geográfica. E sei muito bem que os Olmecas não eram uma tribo de extra-terrestres. Os romances históricos de Walter Scott que me deixaram ainda hoje um interesse tremendo pelo período das cruzadas a tal ponto que quando vi o filme "O reino dos céus" do Ridley Scott me ri dos erros históricos - tinha investigado muito no intervalo de tempo da minha leitura de "O talismã" com 11/12 anos até a essa altura - isso não me impediu de gostar do filme e ver, também, as algumas coisas certas que lá estavam retratadas. Após o filme fui comprar uma caríssima e única existente biografia do Rei leproso de Jerusalém.
Os exemplos acima são apenas dois dos muitos que poderia referir. Mas gostava mesmo que a maioria dos críticos de JHS olhasse para a sua memória consciente e me dissesse o que os motivou e cativou para a História. Tenho a certeza que a maior parte terá pontos de ligação com experiências semelhantes às minhas ou com leituras dos grandes livros da historiografia romântica - tão próximos afinal dos programas de JHS. A ficção é a melhor maneira de despertar interesse para a pesquisa da verdade. Mas os limitados que acham que a ficção é composta apenas de uma camada, que não há intenção, que não há emoção que não há o mistério que leva ao caminho para a Luz (não o estádio); esses serão sempre os falhados na sua capacidade de motivar e iluminar os outros.
Nada nesta vida é plano e uno. Nada na História é o que é. Estou a ler agora a única biografia de Tamerlão - se não sabem quem foi, investiguem - e a descobrir que anos de historiografia oficial chinesa e sobretudo soviética criaram uma parede de desinformação que ainda hoje leva os que procuram saber alguma verdade a lutar contra moinhos.
Já não me lembro quem disse que a História era escrita pelos vencedores. É uma verdade e nessa guerra JHS levou a melhor contra todos os outros. Se metade da "sua" História eram mentiras, lendas e factos por confirmar, não me interessa. Tenho a certeza de que quem seguiu os seus programas ainda hoje, ao viajar pelo nosso país pára nos monumentos e visita os museus locais para saber mais, conhecer lendas, e perceber o que realmente se passou. O resto são egos feridos.
p.s. E não me venham com a velha história do comentário cobarde pós 25 de Abril de que Camões era um trabalhador. Naquele tempo e para JHS que tinha sido Ministro do Estado Novo essa foi a estratégia de sobrevivência e provavelmente a maneira de ficar num país que amava e cuja História o inspirava. Cobardes somos nós que deixamos os nossos governantes espezinhar-nos e cortamos na casaca de quem acabou de morrer.
3 comentários:
Haja alguém que defenda o Homem que mostrou ao País a História de Portugal de forma simples educativa e interessante.
Existem tantas Histórias de Portugal à venda no mercado - Oliveira Marques, José Mattoso, Herculano, Martins, António Borges Coelho, etc - porquê perder tempo com a de um homem que chamou Salazar de santo?
Caro Luís, diga-me uma coisa: comentou o meu texto sem o ler, certo?
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