«E ainda por cima carregado com o saco do inglês. Aquilo pesava toneladas e batia-me contra o lado do joelho a que tinha sido operado. Não sei porque não troquei de mão mas aquela era a mão que dava mais jeito. Mas aquilo que me irritava mesmo foi ter trazido o raio dos chinelos. Já não tenho talento para "chinelar" como dizia a minha avó mas aqueles chinelos, levados a pensar no calor sufocante de lá de fora, eram dois tamanhos acima do meu.
Atravessei a rua e segui pelo passeio até quase chegar à ponte. Vinha a amaldiçoar-me mais os chinelos e tive de me desviar do rapaz um pouco à pressa. Era tão alto como eu, bronzeado de dias inteiros na praia, e vinha estupidamente mal vestido. ao desviar-me o chinelo ia saindo do pé. Tive de dar dois meios passos para recuperar. O rapaz percebeu algo e olhou-me e eu a ele. Retesei os ombros para aguentar o ego mas o golpe estava dado.
Uma voz na minha cabeça ainda tentou convencer-me: "tu ocupas a posição que ocupas, és um dos mais prestigiados professores universitários da tua geração." Mas já a outra voz, mais sincera respondia: "qual quê. Não te ponhas com coisas: há-de comer mais gajas por mês que tu na vida."
É mesmo a isto que se reduz o orgulho macho mesmo depois de tantos séculos de civilização.»
De um original inédito «Os feitos amorosos de João Brás» por Fernando Sopinha Vieira
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