Uma das apostas da Ulisseia é, como já mencionei diversas vezes, a construção de um catálogo de ficção de referência. Aliás é a sua principal aposta.
Isso implica construir um catálogo com base dos modernos cânones da literatura mas, ao mesmo tempo, incluir clássicos e clássicos modernos e implica, no meu entender, conhecer os cânones literários que também são - ou vão sendo - desconhecidos em Portugal.
Daí que, antes de falar dos consagrados que certamente conhecem, quero falar sobre a última novidade da Ulisseia que dificilmente conhecerão.
Tarjei Vesaas, o autor, foi por três vezes candidato ao Nobel, venceu o prémio do Conselho Nórdico e é unanimemente reconhecido nos países escandinavos como o autor norueguês mais importante ó século XX ao lado de Hamsun.
A escrita de Vesaas é cristalina e aparentemente muito simples. Debaixo dessa superfície de simplicidade para uma floresta de significações que fazem de histórias simples, lições de narrativa e de vida.
Este livro será aquilo que os ingleses chamam o coming-of-age novel e os alemães buildungroman, um romance curto - os romances de Vesaas raramente ultrapassam as 200 e poucas páginas - que se desenrola ao longo de uma noite de Primavera, daquelas noites em que, pelas paragens mais frias do Norte europeu, a neve começa a derreter mesmo quando por vezes ainda cai. Dois irmãos - Sissel de 16 anos e o seu irmão mais novo Hallstein - ficam sozinhos por uma noite na ausência dos pais, na casa da quinta onde habitam. Ao começo da noite um co«njunto de estranhos estranhos (perdoem-me a repetição) bate-lhes à porta.
Aquilo que era para ser uma noite tranquila e controlada é de imediato tomada de assalto por uma enorme tensão. Com o carro avariado, entram na casa uma mãe em trabalho de parto, um pai quase histérico, um padrinho acriançado, uma madrinha paralítica mas que talvez não o seja e uma estranha rapariga com a qual, apesar de nunca se terem cruzado, Hallstein tem sonhado nos últimos tempos.
De manhã tudo terá mudado e a adolescência também terá partido durante a noite.
A força da escrita de Vesaas é assombrosa. Quando primeiro li este autor disse para mim que tinha de o publicar. É como um Murakami nórdico sem o ser bem. Dêem-me depois as vossas opiniões.
Quanto ao Pavese que esteve desaparecido do mercado durante anos aparecendo apenas de forma pontual aqui e ali em edições sem continuidade, é um dos mais importantes nomes da literatura europeia da primeira metade do século XX.
É o escritor do modernismo das sensações, da indefinição do sentimento. Apresentando sempre estas temáticas numa lógica de romance quase clássico.
É nossa intenção publicar as obras de Pavese ao ritmo de 1 a 2 títulos por ano e devolver-lhe o seu merecido lugar entre os grandes nomes da literatura.
Um dos meus problemas com Golding, prémio Nobel da literatura e vencedor do Booker, é a sempre difícil relação que o leitor tem com os personagens. Há uma frieza que marca a distância entre os dois níveis e que, apesar da qualidade da escrita e da originalidade dos enredos, nos mantém claramente na posição que o autor pretende que tenhamos: observadores imparciais.
Este livro não é assim. Provavelmente também porque será a obra mais autobriográfica de Golding.
A história é divertida e pisca a vários passos o olho ao leitor. Arrasta-o para si e para os personagens daquela pequena aldeia do interior rural de Inglaterra onde o jovem narrador quer viver o seu sonho de se tornar "artista", coisa inaudita e que acarreta significações não muito abonatórias para si.
Um livro sobre a coragem de assumir a diferença num meio que não a aceita e a julga através de preconceitos equívocos e equivocados.
Divertido e comovente e, sobretudo, importante.
Heinrich Böll é um pouco (ou muito) como aqueles cientista comportamentais que pegam em vários seres vivos de uma comunidade e os colocam em situações e realidades diferentes e estranhas para ver como se comportam e se se adaptam.
A temática central da obra de Böll foi sempre essa: como se comportam os seres humanos face a situações extremas.
À lupa do microscópio-pena do autor desenrola-se, neste romance, a vida de uma família da alta burguesia alemã que procura refazer a sua vida num cenário de completa destruição do pós guerra.
Quem pense que estamos perante um romance sério e duro sobre condições extremas, desengane-se. Este livro é uma deliciosa comédia de aparências que joga de uma forma moderna com um tema tão pós-moderno como é a identidade e a sua diferença da imagem.
Daqueles livros que são irrepreensivelmente bem escritos, provocam muitas gargalhadas nos momentos certos e nos obrigam e pensar muito sobre certas coisas.
O autor também ganhou o Nobel.
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4 comentários:
Pérolas a porcos: Quatro títulos de qualidade vão vender mil exemplares em conjunto. Receita não paga sequer as boas capas, mas editor assume papel de mecenas.
Boas escolhas, de facto. Mas o comentário anterior (apesar do desnecessário calão) fez-me pensar nas vendas: afinal, como irão ser?
Isto é o novo espaço de propaganda do Gonçalves?
Nova eclética e o Novo eclético é o macho da espécie?
Golding falhou nas edições da Difel muita sobra
Cesar Pavese na lua e as fogueiras teve um certo êxito há 50 anos atrás
la Spiaggia é algo dormenteseria priferible
il ffferia d'agosto ou o carcere...
mas
acho que só o boche é uma boa aposta em termos de vendas
e se for a imprimir em Barcelona fica mais barato
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