Literatura de língua portuguesa na Ulisseia, um (ou 4) desafios
6 comentários quarta-feira, 29 de junho de 2011Já vos falei um pouco do que andava a fazer na Ulisseia mas este ano posso concretizar com mais propriedade ainda aquilo que pretendo fazer em termos da edição de obras de autores de língua portuguesa. Também nessa área, como nas restantes, o desafio que me foi feito é a edição de ficção de referência: publicar não apenas autores consagrados como novos autores que prometam vir a fazer parte de cânones futuros.
Claro que essa é uma escolha do editor e portanto gostaria mesmo de saber a vossa opinião - depois de lidos os livros - opiniões pelas contracapas são, no mínimo discutíveis.
Por outro lado um nome consagrado mas esquecido: a grande Maria Judite de Carvalho. Este será o seu único (e formalmente verdadeiro) romance (curto ou novela longa). Narradora maior da situação da mulher numa sociedade cada vez mais desumanizada.
MJC fala da solidão como poucos escritores em todo o mundo conseguiram: com uma verdade incómoda e impossível de contornar. Uma incomodidade que se torna física e asfixiante. De repente temos de pousar o livro e olhar em roda. Como dizia o Eduardo Pitta, provavelmente não com estas palavras que seguem por fraca memória, a escrita de MJC vale por todo um seminário de escrita criativa.
Curiosamente próximo do livro do Fernando Esteves Pinto está este também violento romance-choque do Paulo José Miranda (primeiro prémio Saramago) a quem desafiei para regressar à edição deste lado do canal - ele vive agora do outro lado do Atlântico.
Uma obra que põe a nu o vazio das relações modernas e a necessidade de uma violência física e psicológica para comunicar os sentimentos que não conseguimos sequer entender por nós próprios. Crítica do nosso mundo da comunicação em que comunicamos levianamente tudo o que temos de superficial para comunicar mas nunca nos abrimos. E quando o queremos fazer não há como.
Alguém há-de lembrar-se de um livro publicado pela Bertrand em Portugal, corria o ano de 1976. Uma obra proibida no Brasil aquando da sua publicação poucos anos antes e só "liberado" 9 anos depois. Cá também esteve fora de circulação até 1976. Chamava-se «Zero» e durante a Expo 98 foi considerada uma das 100 obras de língua portuguesa do século XX.
«Zero», que vamos publicar em Outubro comemorando, cá como no Brasil, o aniversário da sua polémica publicação, será provavelmente o único romance verdadeiramente inovador do século XX depois das experiências modernistas joycianas (ok, a heresia é minha). Este outro, livro com que começamos a publicação das obras de Loyola Brandão por cá, é algo totalmente diferente mas que, também ele, foi inovador na forma como abordou questões ambientais naquilo que poderia chamar-se um pan-romance, sobretudo pela pluralidade de leituras que permite e pela pluralidade de leitores a quem abre a porta.
Diz-se muitas vezes que os autores brasileiros não vendem em Portugal e até é verdade. À excepção daqueles grandes nomes incontornáveis, qualquer nome que se apresente não merece sequer uma palavra da crítica, quanto mais a atenção dos leitores. Daí também o meu desafio: se é um leitor que gosta de qualquer uma seguintes coisas (independentemente se gosta das outras), se gosta de uma grande história seja ela de amor, policial/thriller, ficção científica, ambientalista ou poética; se gosta de obras escritas numa linguagem aparentemente simples mas onde cada palavra para além de se poder ler à superfície encerra em si outros significados e uma poesia tremenda; se gosta de grandes romances metafóricos comparáveis, por exemplo, a «Ensaio sobre a cegueira», mas que vão muito para lá desse livro em qualidade literária propriamente dita e "inventividade", experimente umas páginas deste mundo onde o desaparecimento da camada de ozono obriga o ser humano a viver de noite e debaixo da terra, a comprar frascos com cheiro de flores ou terra molhada e onde, ainda assim, é tão difícil aceitar a nossa culpa em tudo isso como quebrar as regras de um amor.
É isto. Ficam os desafios e esperam-se as opiniões.
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Claro que essa é uma escolha do editor e portanto gostaria mesmo de saber a vossa opinião - depois de lidos os livros - opiniões pelas contracapas são, no mínimo discutíveis.
Assim este ano o romance-choque de Fernando Esteves Pinto, «Brutal». Uma obra para quem gosta da literatura que dá socos, bem aveludados, no estômago do leitor (daqueles socos no estômago que sobem à cabeça porque obrigam a pensar). O Miguel Real disse já por várias vezes que o Fernando é dos poucos escritores portugueses a saber escrever - e como! - sobre sexo mas eu creio que vai muito para lá disso. Há algo de existencialista na sua escrita que o aproxima da força de um «Húmus», esse objecto estranho da nossa literatura, e de «A morte do palhaço», outro ainda mais estranho produto de Raul Brandão.
O livro segue duas idades de um mesmo personagem, fascinado por teatro, que narra trazendo em encenações palpitantes à boca da cena os traumas de infância que enformam a sua difícil relação com a sua companheira. Olhar e diálogo entre os diversos tempos sobre si mesmos e sobre os outros (tempos entenda-se) é um encadear de momentos vívidos escritos de forma inesquecível. Agora não o escondo: é um livro difícil. A Maria do Rosário teve o livro em sua posse mas admitiu que era um livro bom mas difícil de encontrar público. O que acham? São leitores preparados para pugilato literário ou daqueles que preferem ser acarinhados pelas suas leituras? Cada um destes tipos de leitor tem as suas vantagens e desvantagens, as suas glórias e misérias mas os primeiros são mais raros.
MJC fala da solidão como poucos escritores em todo o mundo conseguiram: com uma verdade incómoda e impossível de contornar. Uma incomodidade que se torna física e asfixiante. De repente temos de pousar o livro e olhar em roda. Como dizia o Eduardo Pitta, provavelmente não com estas palavras que seguem por fraca memória, a escrita de MJC vale por todo um seminário de escrita criativa.
Curiosamente próximo do livro do Fernando Esteves Pinto está este também violento romance-choque do Paulo José Miranda (primeiro prémio Saramago) a quem desafiei para regressar à edição deste lado do canal - ele vive agora do outro lado do Atlântico.
Uma obra que põe a nu o vazio das relações modernas e a necessidade de uma violência física e psicológica para comunicar os sentimentos que não conseguimos sequer entender por nós próprios. Crítica do nosso mundo da comunicação em que comunicamos levianamente tudo o que temos de superficial para comunicar mas nunca nos abrimos. E quando o queremos fazer não há como.
Alguém há-de lembrar-se de um livro publicado pela Bertrand em Portugal, corria o ano de 1976. Uma obra proibida no Brasil aquando da sua publicação poucos anos antes e só "liberado" 9 anos depois. Cá também esteve fora de circulação até 1976. Chamava-se «Zero» e durante a Expo 98 foi considerada uma das 100 obras de língua portuguesa do século XX.
«Zero», que vamos publicar em Outubro comemorando, cá como no Brasil, o aniversário da sua polémica publicação, será provavelmente o único romance verdadeiramente inovador do século XX depois das experiências modernistas joycianas (ok, a heresia é minha). Este outro, livro com que começamos a publicação das obras de Loyola Brandão por cá, é algo totalmente diferente mas que, também ele, foi inovador na forma como abordou questões ambientais naquilo que poderia chamar-se um pan-romance, sobretudo pela pluralidade de leituras que permite e pela pluralidade de leitores a quem abre a porta.
Diz-se muitas vezes que os autores brasileiros não vendem em Portugal e até é verdade. À excepção daqueles grandes nomes incontornáveis, qualquer nome que se apresente não merece sequer uma palavra da crítica, quanto mais a atenção dos leitores. Daí também o meu desafio: se é um leitor que gosta de qualquer uma seguintes coisas (independentemente se gosta das outras), se gosta de uma grande história seja ela de amor, policial/thriller, ficção científica, ambientalista ou poética; se gosta de obras escritas numa linguagem aparentemente simples mas onde cada palavra para além de se poder ler à superfície encerra em si outros significados e uma poesia tremenda; se gosta de grandes romances metafóricos comparáveis, por exemplo, a «Ensaio sobre a cegueira», mas que vão muito para lá desse livro em qualidade literária propriamente dita e "inventividade", experimente umas páginas deste mundo onde o desaparecimento da camada de ozono obriga o ser humano a viver de noite e debaixo da terra, a comprar frascos com cheiro de flores ou terra molhada e onde, ainda assim, é tão difícil aceitar a nossa culpa em tudo isso como quebrar as regras de um amor.
É isto. Ficam os desafios e esperam-se as opiniões.
Compêndio civilizacional
1 comentários sexta-feira, 17 de junho de 2011Uma das grandes vantagens do Facebook, para além de, por vezes, nos contemplar com eflúvios de palermice, é oferecer algumas grandes sínteses culturais e civilizacionais.
O vídeo em causa é o melhor exemplo da tipologia mencionada e, em si só e em menos de 5 minutos, condensa toda a cultura de um povo de forma bem mais sucinta que a feira da Avenida da Liberdade e o piquenique do Carreira.
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O vídeo em causa é o melhor exemplo da tipologia mencionada e, em si só e em menos de 5 minutos, condensa toda a cultura de um povo de forma bem mais sucinta que a feira da Avenida da Liberdade e o piquenique do Carreira.
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