Caro Octávio
2 comentários sexta-feira, 30 de agosto de 2013Achei por bem escrever-lhe em resposta aos comentários colocados na última entrada deste meu blogue. Neles, dizia-me o Octávio que uma parte da quebra das vendas de livros era devida à implementação do AO.
Como lhe disse, acredito que seja possível mas será sempre uma franja minúscula e infinitamente diminuta da população.
Não entenda que estou de acordo com o AO mas quero dar-lhe, ao acordo entenda-se, a importância devida. O referido AO é uma trapalhada linguística criada devido a interesses económicos muito claros mas mal pensados, cujos argumentos de defesa falham à partida. Não preciso de referir que um brasileiro como um português deixam de perceber o sentido de um vocábulo por este ter mais um "c" ou menos um "c" mas já vejo a complicação de um brasileiro perceber o que é um par de peúgas ou um português que não veja telenovelas, um cafuné. E não falo sequer da organização sintática das frases.
Dito isto incomoda-me a franja de resistentes ao AO. Incomoda-me que não comprem livros só por causa do AO. Isso significa que realmente não têm a paixão pelo livro. Eu li muitos livros em português do brasil quando os mesmos não estavam disponíveis em português de Portugal.
Mas também isso é um inómodo com que posso bem e, sinceramente, tem pouco peso. Há coisas que me incomodam muito mais.
Incomoda-me muito mais que os nossos jovens cheguem ao ensino universitário conhecendo e usando não mais de 500 vocábulos.
Incomoda-me a correcção política da linguagem que a esteriliza e leva a que gente com cabeça ande por aí a falar da maldita CÓ-icineração para não pronunciar "cu".
Incomoda-me sobremaneira que desde 1905 e dos primeiros censos, o número de leitores efectivos e regulares tenha diminuído.
Incomoda-me que em mais de um século as empresas de um sector constantemente em crise (o da edição) - já o diziam ao Camilo, em cartas, os seus editores - nunca se tenham efectivamente unido com campanhas continuadas e permanentes e abrangentes para conseguir novos leitores.
Incomoda-me um sistema de ensino que permite a formação de professores de português que não lêem e, como tal, não sabem incentivar a leitura (e aqui, para aqueles que gostam de ler mais do que o que escrevo, falo de uma maioria: se está indignado com o que leu, certamente não pertence a essa maioria).
Incomoda-me um sistema de ensino que permite que os jovens cheguem ao nível universitário com essa limitação de vocabulário bem como de inteligência efectiva e os deixa terminar os cursos e lhes dá diplomas.
Incomoda-me que ninguém veja o que é escrito nos comentários aos jornais e em milhares de sites da internet. Será que ninguém percebeu que a maior parte de quem neles escreve ou comenta não sabe escrever? Será que ninguém percebe o quão gravíssimo isto é?
Incomoda-me o espartilhar da cultura que leva a que gente da "cultura" raramente perceba alguma coisa de economia.
Incomoda-me o horror aos números da mesma forma que o horror aos livros.
Incomoda-me que enquanto país não tenhamos tido a visão para nos defendermos estrategicamente na nossa posição pequena e periférica como o fizeram, com muito menos meios e muito mais reduzidas bases, os países escandinavos (facto que os conduziu à sua actual posição económico-social).
Incomoda-me perceber que não incomoda ninguém que os políticos, nas muitas escutas que vão sendi divulgadas ou nos acesos debates sobre "nada" que ocorrem amiúde no parlamento usem de vulgaridade e de linguagem baixa que se percebe ser a corrente no seu dia a dia.
Incomoda-me que a comunicação social não exerça a sua obrigação educativa. Com efeito para além das notícias mal-escritas, da qualidade pavorosa do registo de escrita e do registo oral, da inominável agramaticalidade dos textos escritos para a imprensa online. das regras vocabulares que ditam que os jornalistas não devem usar "palavras caras" que o povaréu não compreende.
Incomoda-me que não se perceba nem admita que a comunicação social, pela sua presença constante, nem que por efeito de contágio, tenha esta obrigação social, independentemente se é privada ou pública. É que, não o assumindo, corre o risco de se destruir a si própria em pouco tempo, atropelada por imprensa cada vez mais superficial estereotipada e inócua.
In comoda-me que não se aceite que o desafio é o melhor caminho para a aprendizagem.
(Certamente muitos deles já formados pelo sistema de ensino que tudo admite e tudo premeia.)
Incomoda-me essa falta de vergonha e sentido moral que é tranversal e que advém da pobreza cultural do país.
Incomoda-me a elite cultural que fecha os olhos a isto e se preocupa com tricas.
E sabe porque me incomoda tudo isto muito mais?
Porque se esses problemas tivessem sido resolvidos, o AO nunca teria sequer passado de uma ideia peregrina numa mente perturbada.
p.s. Não leia, por favor, Octávio, algum tipo de crítica pessoal. Não o conheço a esse ponto nem sei a sua posição em muitos destes pontos. Insurjo-me contra uma situação actual que só pode ser resolvida de uma única maneira: uma revolução educativa e cultural que, contudo, é a solução mais distante e impraticável aos olhos de quem comodamente se instalou no poder nas últimas largas dezenas de anos.
read more “Caro Octávio”
Como lhe disse, acredito que seja possível mas será sempre uma franja minúscula e infinitamente diminuta da população.
Não entenda que estou de acordo com o AO mas quero dar-lhe, ao acordo entenda-se, a importância devida. O referido AO é uma trapalhada linguística criada devido a interesses económicos muito claros mas mal pensados, cujos argumentos de defesa falham à partida. Não preciso de referir que um brasileiro como um português deixam de perceber o sentido de um vocábulo por este ter mais um "c" ou menos um "c" mas já vejo a complicação de um brasileiro perceber o que é um par de peúgas ou um português que não veja telenovelas, um cafuné. E não falo sequer da organização sintática das frases.
Dito isto incomoda-me a franja de resistentes ao AO. Incomoda-me que não comprem livros só por causa do AO. Isso significa que realmente não têm a paixão pelo livro. Eu li muitos livros em português do brasil quando os mesmos não estavam disponíveis em português de Portugal.
Mas também isso é um inómodo com que posso bem e, sinceramente, tem pouco peso. Há coisas que me incomodam muito mais.
Incomoda-me muito mais que os nossos jovens cheguem ao ensino universitário conhecendo e usando não mais de 500 vocábulos.
Incomoda-me a correcção política da linguagem que a esteriliza e leva a que gente com cabeça ande por aí a falar da maldita CÓ-icineração para não pronunciar "cu".
Incomoda-me sobremaneira que desde 1905 e dos primeiros censos, o número de leitores efectivos e regulares tenha diminuído.
Incomoda-me que em mais de um século as empresas de um sector constantemente em crise (o da edição) - já o diziam ao Camilo, em cartas, os seus editores - nunca se tenham efectivamente unido com campanhas continuadas e permanentes e abrangentes para conseguir novos leitores.
Incomoda-me um sistema de ensino que permite a formação de professores de português que não lêem e, como tal, não sabem incentivar a leitura (e aqui, para aqueles que gostam de ler mais do que o que escrevo, falo de uma maioria: se está indignado com o que leu, certamente não pertence a essa maioria).
Incomoda-me um sistema de ensino que permite que os jovens cheguem ao nível universitário com essa limitação de vocabulário bem como de inteligência efectiva e os deixa terminar os cursos e lhes dá diplomas.
Incomoda-me que ninguém veja o que é escrito nos comentários aos jornais e em milhares de sites da internet. Será que ninguém percebeu que a maior parte de quem neles escreve ou comenta não sabe escrever? Será que ninguém percebe o quão gravíssimo isto é?
Incomoda-me o espartilhar da cultura que leva a que gente da "cultura" raramente perceba alguma coisa de economia.
Incomoda-me o horror aos números da mesma forma que o horror aos livros.
Incomoda-me que enquanto país não tenhamos tido a visão para nos defendermos estrategicamente na nossa posição pequena e periférica como o fizeram, com muito menos meios e muito mais reduzidas bases, os países escandinavos (facto que os conduziu à sua actual posição económico-social).
Incomoda-me perceber que não incomoda ninguém que os políticos, nas muitas escutas que vão sendi divulgadas ou nos acesos debates sobre "nada" que ocorrem amiúde no parlamento usem de vulgaridade e de linguagem baixa que se percebe ser a corrente no seu dia a dia.
Incomoda-me que a comunicação social não exerça a sua obrigação educativa. Com efeito para além das notícias mal-escritas, da qualidade pavorosa do registo de escrita e do registo oral, da inominável agramaticalidade dos textos escritos para a imprensa online. das regras vocabulares que ditam que os jornalistas não devem usar "palavras caras" que o povaréu não compreende.
Incomoda-me que não se perceba nem admita que a comunicação social, pela sua presença constante, nem que por efeito de contágio, tenha esta obrigação social, independentemente se é privada ou pública. É que, não o assumindo, corre o risco de se destruir a si própria em pouco tempo, atropelada por imprensa cada vez mais superficial estereotipada e inócua.
In comoda-me que não se aceite que o desafio é o melhor caminho para a aprendizagem.
(Certamente muitos deles já formados pelo sistema de ensino que tudo admite e tudo premeia.)
Incomoda-me essa falta de vergonha e sentido moral que é tranversal e que advém da pobreza cultural do país.
Incomoda-me a elite cultural que fecha os olhos a isto e se preocupa com tricas.
E sabe porque me incomoda tudo isto muito mais?
Porque se esses problemas tivessem sido resolvidos, o AO nunca teria sequer passado de uma ideia peregrina numa mente perturbada.
p.s. Não leia, por favor, Octávio, algum tipo de crítica pessoal. Não o conheço a esse ponto nem sei a sua posição em muitos destes pontos. Insurjo-me contra uma situação actual que só pode ser resolvida de uma única maneira: uma revolução educativa e cultural que, contudo, é a solução mais distante e impraticável aos olhos de quem comodamente se instalou no poder nas últimas largas dezenas de anos.
Pontos de situações
3 comentários sábado, 10 de agosto de 2013Não tenho escrito neste blogue, aliás não tenho escrito muito. Creio que já escrevi antes que não tenho a capacidade da escrita regular que é característica dos bons escritores de blogues.
Deixo-me afectar pelos tempos e pelas situações. E os tempos que correm não ajudam nada. Aquilo que sei do que se passa no meio onde sempre quis e gostaria de voltar a trabalhar assusta-me. Os números de vendas de livros são horrorosamente baixos.
Se antes os portugueses muito poucos livros compravam (não falo já do "liam"), neste momento não consigo perceber sequer como é que 80% das editoras se mantém. Devem estar em boa parte a endividar-se mais ainda para lá do que já estavam endividadas.
Neste blogue, escrevi há já algum tempo sobre o fim da edição em Portugal e temo que não me tenha enganado em quase nada. Não gosto nem quero ser profeta. Como muitos acredito que ainda hei-de voltar a trabalhar (no meu caso nesta área).
Assim e mais uma vez, desculpem a brevidade e a falta de boas notícias.
read more “Pontos de situações”
Deixo-me afectar pelos tempos e pelas situações. E os tempos que correm não ajudam nada. Aquilo que sei do que se passa no meio onde sempre quis e gostaria de voltar a trabalhar assusta-me. Os números de vendas de livros são horrorosamente baixos.
Se antes os portugueses muito poucos livros compravam (não falo já do "liam"), neste momento não consigo perceber sequer como é que 80% das editoras se mantém. Devem estar em boa parte a endividar-se mais ainda para lá do que já estavam endividadas.
Neste blogue, escrevi há já algum tempo sobre o fim da edição em Portugal e temo que não me tenha enganado em quase nada. Não gosto nem quero ser profeta. Como muitos acredito que ainda hei-de voltar a trabalhar (no meu caso nesta área).
Assim e mais uma vez, desculpem a brevidade e a falta de boas notícias.
Subscrever:
Mensagens (Atom)