A professora Hatherly

Em 2002 contactei a professora Ana Hatherly pela primeira vez. Estava a montar aquilo que haveria de ser a Cavalo de Ferro e procurávamos autorização para re-publicar a tradução que a professora fizera do Dicionário Infernal de Plancy. A conversa que tive com a professora e a sua simpatia, abertura e disponibilidade foram motivo para um convite quase imediato para que integrasse o conselho editorial da Cavalo de Ferro.

Ao longo que quase 8 anos, a professora Ana Hatherly foi um dos membros mais activos do Conselho com sugestões, recomendações e sempre disponível para apoiar e promover projectos. Foi através da professora que publicámos o livro de Sayd Bahodine Majrouh O suicídio e o canto e foi também a professora que co-traduziu O vagabundo do Dharma de Han-shan numa edição que saiu lindíssima.

A professora Ana Hatherly tornou-se uma amiga e em presença ou por telefone mantivemos o contacto ao longo dos anos. Era uma apaixonada das franjas literárias movendo-se por territórios que deixariam muito professor de literatura inseguro e cauteloso. Acho que talvez seja esse um dos principais motivos para nos termos dado tão bem. Como leitor ando sempre dentro e fora do cânone e esse foi o mote de muitas conversas.


Já na Babel desafiei a professora, instado pela Ana Marques Gastão, a uma reedição do seu O mestre. Foi com bastante alegria que recebi uma visita sua na editora pois pouco tempo antes tinha estado bastante perturbada quando faláramos ao telefone. Uma série de pequenos AVc's e outros problemas pareciam ter sido ultrapassados e a professora estava de novo em forma e cheia de projectos.


Infelizmente e devido à proibição interna de envio de livros para crítica e imprensa, o livro não teve o destaque que merecia uma das obras mais revolucionárias da nossa literatura que, ano após ano, é alvo de estudo fora de Portugal. Ainda recentemente numa das mais prestigiadas universidades brasileiras decorreu um curso sobre essa obra. Por cá e apesar de a edição coincidir com o aniversário da publicação original, pouco ou nada se falou.


Mas enquanto eu ia tentando explicar o inexplicável dos mecanismos internos de um grupo editorial, a professora tinha já passado à frente e falava-me de novos projectos.


A professora Hatherly ficará sempre, para mim com esse título de alguém que tinha sempre imenso para ensinar na forma como vivia o saber que adquiria. O maior professor é sempre aquele que nos contagia com a sua curiosidade.

Ao fim e ao cabo, a imagem que guardarei da professora Ana Hatherly é a sua enorme abertura a tudo o que de novo e incomum lhe aparecia pela frente. O seu fantástico sentido de humor e riso fácil para além da tranquilidade com que se punha acima das complicações e mesquinhez do dia a dia. Talvez aí resida o segredo da verdadeira criatividade.

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